Resumo Este ensaio objetiva refletir, à luz dos conceitos de biopoder e de mercado simbólico, sobre as modalidades de intervenção social no enfrentamento às lesões e mortes causadas por acidentes de trânsito relacionados ao consumo de bebida alcoólica. A reflexão identificou que as duas iniciativas do Estado na redução das lesões e mortes por acidentes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante agem no gerenciamento do risco, o que constitui um novo olhar sobre o quadro normativo que define o cidadão contemporâneo (homo medicus). Dessa forma, transfere-se aos sujeitos a responsabilidade de erradicar comportamentos de risco, estimulando-os a comportarem-se cada vez mais como empreendedores de si mesmos e de sua saúde, de sua vida e de seu ambiente, o que constitui biossociabilidade determinada pela Estrutura do Biopoder, conforme anunciou Michel Foucault. A condução de veículo sob efeito de bebida alcoólica é determinada por uma lógica de produção e consumo organizada pela lógica dos agentes econômicos que têm na comunicação midiática seu principal vetor de difusão. A subjetividade do mercado simbólico concebida nessa lógica é protegida por meio de anteparos jurídicos e financeiros do Estado, cujo conteúdo privilegia a acumulação capitalista, em detrimento da saúde. Ela ainda enaltece a figura do cidadão-consumidor na racionalidade reguladora neoliberal que hipervaloriza a individualidade na esfera privada e não promove o engajamento com potencial cívico de consumo e nem aproximação dos indivíduos com problemas coletivos.
Abstract This essay aims to reflect, in the light of the concepts of biopower and symbolic market, on the modalities of social intervention in facing of lesions and deaths caused by traffic accidents related to the consumption of alcoholic beverages. The study identified that the two State initiatives in reducing lesions and deaths from traffic accidents involving drunk driving act on risk management, which is a new perspective at the regulatory framework that defines the contemporary citizen (homo medicus). Thus, the responsibility to eradicate risk behavior is transferred to individuals, encouraging them to increasingly behave like entrepreneurs of themselves and their health, life, and environment, which constitutes biossociability determined by the Structure of Biopower, as announced by Michel Foucault. Driving a vehicle under the influence of alcoholic beverages is determined by a logic of production and consumption organized by the logic of economic agents that have on media communication their main dissemination vector. The subjectivity of the symbolic market designed by this logic is protected through legal and financial apparatus of the State, whose content focuses on capitalist accumulation, at the expense of health. It also extols the figure of the consumer-citizen within the regulatory and neoliberal rationality that overvalues the individuality in the private sphere and does not promote the engagement with civic potential of consumption or the approximation of individuals with collective problems.